sexta-feira, 9 de março de 2012

Sobre o Mistério da Igreja

Por Henri de Lubac 


Marko Ivan Rupnik, Capela Papa Redemptoris Mater, Vaticano, 1997-99


Desde algum tempo vem-se falando muito da Igreja; muito mais que antes e, sobretudo, num sentido mais compreensível. Alguns acreditam inclusive que se fala dela um tanto demasiado e com demasiada desconsideração. E se perguntam se não seria melhor esforçar-se simplesmente – como fizeram tantas gerações – esforçar-se para viver nela. De tanto considerá-la a partir de fora para estudá-la, não se habituaria alguém no mais profundo de si mesmo a separar-se dela? Não se corre o perigo, se não de cortar, ao menos de afrouxar os laços íntimos, sem os quais não se pode ser verdadeiramente católico? Tantos venenos, tantos problemas sutis, com toda a agitação intelectual que supõem, serão por acaso compatíveis com aquela antiga simplicidade e com aquele espírito de obediência que caracterizaram sempre os filhos fiéis da Igreja?

A Igreja não é uma realidade deste mundo que se pode medir e analisar como se queira. Enquanto durar a presente condição, a Igreja não pode ser conhecida com toda perfeição, mas permanece oculta sob um véu. Pois a Igreja é um mistério de fé. Como os demais mistérios, também ela ultrapassa a capacidade e as forças de nossa inteligência. E mais ainda: pode-se afirmar que ela torna-se para nós como o lugar onde no qual confluem todos os mistérios, Porém, o mistério exclui toda indagação curiosa. Deve-se crê-lo na obscuridade. Deve-se meditá-lo em silêncio.

Se vivemos na Igreja, temos de combater as lutas da Igreja de hoje. Devemos dar a adesão do nosso entendimento à doutrina da Igreja tal como hoje se encontra elaborada. Ainda supondo que fosse lícito, seria uma grande ilusão acreditar que se poderia reter em seu exato teor e em toda a sua fecundidade a fé de uma época anterior, desprezando o que desde então se foi fazendo mais explícito. O próprio erro e a rebelião, por perfeitamente que tenham sido vencidos, impõem em certa medida um novo estilo e outra ênfase à existência do homem fiel como à expressão da verdade.

Com efeito, por uma parte, à série de erros e desvios que apareceram ao longo dos séculos passados, que deram origem a tantos cismas, que provocaram tantas discussões, conflitos e desordens e que ainda continuam produzindo entre nós seus frutos, vão juntando-se outros, mais sutis, que às vezes minam a consciência católica mesmo naqueles que de modo algum sentem a tentação do cisma ou da heresia formal. São as incompreensões de todo tipo que derivam seja do individualismo que até pouco tempo estava presente em toda parte, sejam dos falsos coletivismos que tomaram o lugar do individualismo. São as ilusões, as impaciências ou as críticas que quase sempre vão acompanhadas de um esfriamento da fé. É também, às vezes, o fato de confundir os diferentes níveis e são as idéias demasiadamente “naturais”, que a apologética moderna nem sempre pode evitar totalmente: assim a Igreja parece fundada em princípios demasiadamente humanos, dão-lhe objetivos humanos ou então explicam-na por analogias humanas demasiadamente pouco contrastadas, ao invés de contemplá-la, tal como Deus o fez, no mistério do seu ser sobrenatural.

A Igreja não é Deus, mas “a Igreja de Deus”. Ela é sua Esposa inseparável, que o serve na fé e na justiça. Na Casa de Deus onde ele nos recebe para perdoar os nossos pecados. Nesta Igreja, que é a coluna da verdade, é onde nós cremos retamente em Deus e onde o glorificamos. Tal é provavelmente a principal razão para se fazer menção dela no Credo, onde parece que no princípio não figurou como um artigo de fé junto com os demais, mas como uma espécie de conclusão. Nomeava-se a Igreja ao final, depois de ter-se concluído a exposição da fé católica na Trindade. E mais tarde, quando, tal qual hoje, é seguido de vários outros artigos, pode-se continuar dizendo que todo o Símbolo terminava nela, porque, ao fim das contas, nela se apóia toda a autoridade do Símbolo... Ela é, com efeito, o Lugar escolhido pelo Senhor para que nela seja invocado o seu nome. Ela é o Templo no qual se adora a Trindade e o santuário imutável fora do qual, salvo a desculpa da ignorância invencível, ninguém pode esperar a salvação... Ela é o corpo das três Pessoas. Ela é também aquela Casa preparada no alto dos montes, Casa anunciada pelos profetas, para onde haverão de confluir um dia todas nações para viver unidas nela sob a Lei do único Senhor. Ela é a câmara do tesouro, onde os Apóstolos depositaram a Verdade, que é o Cristo. Ela é a única Sala onde o Pai de família celebra os desposórios de seu Filho. Como também nela é que nós recebemos o perdão e por ela temos acesso à Vida e a todos os dons do Espírito. Não podemos crer nela como cremos no Autor da nossa salvação, porém cremos que ela é a Mãe que nos traz a regeneração.


 Meditações sobre a Igreja, vol I 

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